sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Have a nice day

Nunca acordo de mau humor, normalmente são os decorreres dos dias que me fazem ser assim. Mas naquele dia foi diferente. Acordei com o telefone celular chamando. Eram sete da manhã.
- Quem é?!
- Bom dia, com quem eu falo? - Uma fina voz feminina, era educada de mais pra ser algo de meu interesse. Ou alguém de meu interesse.
- Porra! Tu ligaste pra mim e não sabe?!
-Desculpe o incomodo senhor Daniel.
Desligou.
Puta. Acordou-me em vão. De qualquer forma era quase hora de ir trabalhar. Como sempre sem tomar café em casa. Gosto de passar no bar da esquina está sempre vazio e o café é ótimo. Peguei um jornal. Tinha nada de meu interesse. Nada tinha nada de meu interesse naquele dia. Pedi o café como sempre sem açúcar, enquanto fiquei debruçado sobre o balcão lendo as coisas que não me interessavam.
- Como anda a vida, Dani? – Perguntou a garçonete enquanto torcia um pano úmido.
Não respondi, não tenho saco pra responder. Só queria ler aquela merda de jornal, tomar um café e ir pra puta que pariu trabalhar. Mas ela insistiu;
- Dani, custa muito responder?
- O meu esforço em responder é maior que o teu em não perguntar.
Não era minha intenção, mas ela sorriu e continuou limpando o balcão.
Eu estava pra ter um péssimo dia. Não estava muito quente, mas tinha aquele irritante sol. Como se estivesse sorrindo o tempo todo. Sorrisos são irritantes. E eu sem óculos escuros era como um guerreiro sem elmo. Minha cabeça explodiria! Não era má idéia. Tomei meu café, deixei o jornal e fui em direção a meu trabalho. Muita gente caminhando nas calçadas. Que coisa horrível, pra que tantas? Todas falavam alguma coisa entre si. Algumas falavam sozinhas. Lembro que antigamente, quando jovem eu sofria muito entre as pessoas. Via-as passeando, pra lá e para cá. Achava um desperdício. Era algo triste, depressivo. Cada uma delas tinha algo a me ensinar, uma história pra me contar, um livro a me indicar, quem sabe até uma boceta pra dar. Eram como oportunidades que se iam e me deixavam com um sentimento de perda. Cada pessoa que passava era uma perda. Em algumas vezes ainda olhavam pra trás e sorriam. Mas agora não penso assim, muito pelo contrário. Não imaginava que o propósito da vida das pessoas era ligar às 7 da manhã ou perguntar como eu estava. Passo todos os dias por milhares de pessoas, nunca cruzei por nenhum Beethoven, Bukowski ou Nietzsche. Todas tinham em comum, incluindo os exemplos, nascido com duas pernas e dois braços. Mas por que diabos a maioria só servia pra me ligar às 7 da manhã ou perguntar como eu estava? Isso é tudo quem elas têm a me oferecer?! Que merda.
Eu não tinha esposa ou filhos. Esposa pra que? Estragaria minha suada solidão. Não é fácil, precisa de muito esforço pra conquistar tal liberdade, não iria dividi-la com qualquer uma. E filhos? Nunca entendi esse tal sonho de ter filhos. Por quê? Eu compraria um cavalo se precisasse cavalgar até algum lugar. Compraria um condicionador de ar se estivesse com calor. Mas por que eu precisaria de um filho? Que falta faz um filho? De qualquer maneira existem inúmeros motivos pra não se por um filho no mundo. É cruel. Por que fazer um inocente passar por tudo isso? É egoísmo querer dividir o mundo com uma criança. Um ainda inocente, que logo também se tornaria em um culpado. Estamos todos os dias fabricando mais culpados, e pra que? A maioria sai impune. Nós fizemos a merda, agora que agüentemos! E a meu ver já temos pessoas de mais. De muitas etnias. Prefiro me isentar ao máximo de culpa, não contribuir colocando mais uma. Será que só eu penso que existem pessoas de mais?! Há um equilíbrio entre sapos e cobras em um brejo, que depende também da quantidade de moscas e larvas. E nós, humanos? Temos equilíbrio com o que?!
Merda de gente distribuindo panfletos. Merda de gente que cita versículos da bíblia, mas nem ao menos sabe ler. Merda de vendedores gritando aos berros. Talvez ele venda óculos e salve minha vida. Não queria dever minha vida a um asno qualquer, mas não há outra maneira.
- Quanto custa os óculos escuros mais baratos?
- 12.
- Vou levar. Mas só tenho uma nota de 20, ou uma de 10.
- Não tenho troco, lhe faço dois por 20, feito?
- Sim, uso um na cara e outro em meus ovos. Se vende dois por 20, também pode vender um só por 10.
-Desculpe, chefia. Ai ficaria ruim pra mim.
- Então fia no teu rabo esta merda.
Porra. Só poderia ser uma pessoa. Se fosse um cavalo vendendo óculos eu teria feito negocio. Sabia que não poderia confiar a minha vida nas mãos de uma pessoa. E ainda faltava chegar num escritório cheio de gente. Pior, gente que fala. Merda! Ainda faltam 10 horas pra eu voltar pra casa e encher a cara de uísque. Se ao menos pudesse beber durante o dia...
Eu não sei por que bebo. Nunca achei bom o gosto de nenhuma bebida alcoólica. Eu preferiria comer chocolate. Trancado em casa enchendo o rabo de chocolate. Mas eu tinha que beber. Achava que beber poderia ser um bom atrativo enquanto eu esperava. Ninguém gosta de esperar. Mesmo que seja uma operação com risco de vida tu quer entrar logo na sala de cirurgia, ou então não ir ao medico consultar por medo de ter que esperar, com aquela tensão toda. Também sou assim. Odeio esperar e estou tenso. Mas ainda não sei pelo que espero, e não vou passar a vida lendo revistas sobre pescaria ou carros esportivos. Vou beber, sempre. Até algo acontecer. E como em qualquer tipo espera, quando não se tem um atrativo tudo passa mais devagar. Só passaram-se duas horas do meu dia e eu já tinha pensado varias vezes em morrer. Algo anormal. Só deve-se pensar em morrer uma ou duas vezes por dia. Só pra se manter vivo por algum motivo bobo, talvez vender óculos na rua ou compor a 9ª sinfonia.
Por que existem algumas poucas pessoas brilhantes enquanto a extrema maioria são de insignificantes?! E por que não o contrário? Passear todos os dias por ruas infestadas de pessoas brilhante, necessárias ao mundo. Assim eu me destacaria. E seria respeitado. Duvido muito que os brilhantes me ligariam às 7 da manhã.
Faltavam duas quadras pra chegar ao trabalho, era hora de encarnar o personagem. Ser um bom ator. Sempre fui. Avistei tudo fechado, sem a normal movimentação de sempre. Entrei no prédio. Só vi o porteiro. Fui até minha sala. Trancada. Ninguém. Paraíso. O que devo pensar? Que o dia até ali tinha sido uma pegadinha, agora era minha recompensa, passar o resto do dia só. Não... Sou muito cético e racional. Deus não existe.
Desci, ainda sem sair do personagem, e fui falar com o porteiro.
- Eiii, amigo. Alguém morreu?
- Infelizmente sim.
- Porra! Conta ai, o que houve?
- Lembra da Marlin? Que trabalhava nos serviços gerais, aparecia pouco. Guria muito reservada...
- Sim, claro que lembro. Era muito linda. – Pra falar a verdade muito mais que bonita, ela era a melhor pessoa do mundo. Nunca falou comigo ou me ligou. Tinha uma bela bunda e um rosto branco com grandes olhos castanhos.
-Pois é... Cometeu suicídio durante a madrugada. Mas antes esquartejou seu filho de quatro anos. Parece que deixou uma carta horrível tentando justificar o feito. Ai o chefe achou melhor não abrir o escritório hoje. Todos estão no velório.
- Porra cara, que baita merda! – Naquele momento realmente fiquei triste. O personagem se diluiu. Ela não merecia morrer. Estava mais pra uma pessoa brilhante que insignificante. Sempre no canto dela. Nunca falou comigo, o que melhor posso esperar de uma pessoa? Será que ela tinha algo a me ensinar? Puta merda, que desperdício.
- Pois é Dani... Só vou arrumar algumas coisas aqui e vou pra lá. E tu, o que faz aqui? Todos foram avisados sobre o acontecido. Ninguém te ligou avisando que hoje não haveria expediente?

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